Tributação e dignidade humana, por Marciano Buffon*
16/03/2009
 Vive-se
um momento singular, uma espécie de transição que causa angústia e
medo, e torna o futuro imprevisível. Tal cenário de desencanto e de
retorno ao que François Ost denomina de estado de natureza econômico
reduz as possibilidades de se vislumbrar a construção de uma sociedade
global mais fraterna, menos desigual e capaz de resolver conflitos
mediante mecanismos de democracia.
Não obstante isso, percebe-se
que, embora timidamente, se vive o termo inicial de um processo de
reconstrução de relações sociais, redefinição do papel do Estado e de
gestação de um novo formato das relações internacionais. Para que tenha
êxito, tal processo deve ser pensado a partir do paradigma da dignidade
humana e da solidariedade, pois o individualismo unilateral,
característico dos últimos tempos, encontrou seu ocaso.
No campo
tributário, é fundamental a construção de um modelo fundado na ideia de
dignidade humana, que tenha como norte o rompimento da lógica de
ampliação das desigualdades. Ele deverá corrigir as distorções ora
existentes (neotributação), especialmente com: a recuperação da
concepção de que a efetiva capacidade econômica seja o vetor de
desigualdade no campo da tributação; a gestação dos contornos da carga
tributária a partir de um processo democrático; e a utilização dos
tributos como instrumentos de concretização dos direitos fundamentais.
É
preciso introduzir o “interesse humano” na tributação, especialmente no
sentido de reduzir ou excluir a exigência de tributos dos que se
encontram na base da pirâmide econômica e, portanto, estão destituídos
de capacidade para pagá-los. Em termos práticos, isso passa pela
desoneração de uma cesta básica de alimentos e serviços, pela ampliação
do limite de isenção do imposto de renda das pessoas físicas, pela
introdução de uma efetiva progressividade de alíquotas e de alíquotas
diferenciadas para impostos sobre bens. Também há de se moldar a carga
tributária tendo como objetivo a concretização dos direitos
fundamentais.
Qualquer solução passa por forjar uma nova
cultura de aceitação das diferenças, pelo reconhecimento de que há
importante papel a ser cumprido pelo Estado e, sobretudo, pela crença
de que ainda existem caminhos factíveis para uma coexistência
distanciada da irracionalidade e da violência. Pode parecer utópico,
mas todas as grandes mudanças começaram a partir de ideais que eram
tidos como utópicos. *Professor de Direito da Unisinos
(Fonte: Zero Hora)
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